Minha Crítica ao Pacato

Sempre achei meio inócua a discussão sobre “qual a melhor região do Brasil para comer?”, que muitas vezes recai em um provincianismo bairrista pouco apegado à realidade. Cada lugar tem suas vocações e seus pontos fracos.

11/4/20243 min read

Sempre achei meio inócua a discussão sobre “qual a melhor região do Brasil para comer?”, que muitas vezes recai em um provincianismo bairrista pouco apegado à realidade. Cada lugar tem suas vocações e seus pontos fracos. São Paulo é ótimo na diversidade da comida étnica, mas péssimo no arroz com feijão. Curitiba tem uma cena interessantíssima de pães, Brasília tem bons cafés, Floripa é ótima em ostras e outros frutos do mar. No quesito comida do dia-a-dia, sempre achei Minas a maior de todas. Mas, quando assunto é comida pretensamente sofisticada, ou o que chamam bregamente de “fine dining”, acho que Minas, com todo respeito, não chega aos pés sequer da São Paulo de 20 anos atrás.

Depois de ir ao Glouton, restaurante sobre o qual já escrevi aqui e do qual não gostei nem um pouco, resolvi ir ao Pacato, considerado o segundo menu mais reputado da cidade. O serviço é melhor que o do Glouton. Aqui, o caos é tão menor que são capazes de servir (pasmem!) até os vinhos na temperatura certa. Isso não passaria de obrigação, claro. Mas lembro-me do desastre que foi no restaurante de Léo Paixão, onde os vinhos eram servidos em baldes de gelo à temperatura praticamente negativa. Fiquei feliz, num primeiro momento, do Pacato não tratar os vinhos como um boteco trata Brahma chopp.

Mas, em restaurante de menu degustação em BH, felicidade é coisa que dura pouco.

Logo fiquei sabendo que os queijos mineiros seriam o fio condutor do menu. Tudo bem, nada contra um elemento que una coerentemente a sequência dos pratos, desde que executado com inteligência e sem excesso de palestra e verborragia. Não foi o caso, infelizmente.

As longuíssimas explicações sobre cada prato tornam o jantar enfadonho. Frases como “O queijo do “Seu Miguel” foi escolhido para fazer parte do menu “, “queijo é sobre ancestralidade”, “a película fina da burrata representa neste prato o estômago animal onde o leite fermentou pela primeira vez”, entre outras patacoadas…

Em que medida o ingrediente do Seu Miguel colabora para o todo da composição do prato? Será que ele foi utilizado bem? Essas metaforizações colaboram para a experiência do sabor ou são mero storytelling?

O nome “Pacato” dá respaldo e coerência à maioria dos pratos do menu. São absolutamente entendiantes, anêmicos e monótonos. O ovo quente com manteiga fermentada é apenas um ovo - que já é gordo por si só - com mais gordura adicionada pela manteiga. O pão de queijo com ragu de linguiça - (muito mais queijo do que ragu, diga-se) e a massa recheada com angu foram das coisas mais insossas que comi neste ano. Era literalmente mastigar o vazio, a apatia. Pacato…

Mas os “experimentos” foram a pior parte: o “falso queijo” (que nada mais é que uma terrine de porco que não tinha queijo algum, tentava, segundo o serviço, emular a textura do queijo. Não rolou. Foi apenas uma tentativa forçada de seguir o fio condutor - segundo o qual todos os pratos têm que ter relação com o queijo. Um despropositado misto quente com esferas de presunto e um arroz de pato impregnado de aroma de canela e anis, que os pobres clientes são convidados a comer em pé(?), na cozinha(sabe-se lá por quê), fecham o ciclo de derrotas.

Mas o verdadeiro golpe veio com a tal “ostra” de frango. Servido em uma concha, cria a expectativa de algo macio, marinho e úmido. Mas era frango (para quem não sabe, “ostra” também é o nome que damos para um corte de frango). Um frango seco, duro, enojante. Poucas coisas já me deram ânsia na vida. Esse foi um dos pratos que conseguiu.

O jiló (que já é amargo) com mofo branco (que também é amargo) fez com que até este que vos fala - um dos maiores apreciadores da elegância do amargo na comida - sentisse aversão ao amargor. O leitão com casca borrachuda e o enjoativo e cafonérrimo aligot foram apenas acompanhamentos dessa tragédia.

Resultado final? 680 reais por uma noite de frustrações e desilusões. O Pacato alienou-se no próprio discurso: é uma miríade de abstrações de conceitos que sobrepõem abstrações de conceitos, o que os afasta completamente daquilo que de fato interessa: o sabor que está no prato. Restaurante que foca na audição nunca enaltecerá o paladar. Um boteco qualquer em BH tornaria minha vida muito mais feliz por 10% do valor.

Avaliação: muito ruim.